terça-feira, 19 de novembro de 2024

Maturescência?




Olá! Eu não estou em casa...
Em meu lugar, ficou meu futuro,
hoje, presente que extravasa
o passado do qual me curo.

Se foi quem você conhece...
Te machuca eu não estar aqui?
Minha ida é a antiga prece
que ainda grita e padece
os tormentos que uma vez suprimi.

Mas se foi quem você quer...
Importam agora os sentimentos?
Os nossos foram quaisquer
desejos isentos que sequer
resistiram aos ínfimos momentos.

Pintura de Steve Walker

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

A crise



Eu não me conheço...
Nem sei mesmo meu nome.
As faces que que hoje enrijeço
são sintomas dos quais padeço
desta fome que a mim consome.

Eu não me conheço...
Não sei como cheguei aqui.
Como me tornei o avesso
daquilo que cria ser o espesso
rio do qual um dia afluí?

Eu não me conheço...
Nem sei como me desconheci.
Se um dia já tive o apreço
pela imagem que hoje mereço
sofro agora pelo eu que não socorri.

Pintura de Fabian Perez

terça-feira, 11 de junho de 2024

Drama onanista


A finitude parece um pouco mais perto,
tocando partes do meu corpo aos poucos,
roendo as carnes como vermes loucos
em cadáver putrefato, indigente e incerto.

A fria letargia que antecipa a derrota
sufoca a alma ansiosa, sem qualquer rumo.
Aperto o órgão pulsante com o qual assumo
o triste fim deste ser cuja vida se esgota.

Pintura de Paul Richmond

quinta-feira, 21 de março de 2024

Eu não tenho medo da solidão...



Eu não tenho medo da solidão...
Ela é a única que me deixa ser eu de verdade;
a única que me despe desta personalidade.

Eu não tenho medo da solidão...
É ela que me faz conhecer a mim por completo;
me faz enxergar as nuances de um desafeto...

Eu não vou evitar a solidão.
Pelo contrário, vou abraçá-la e aceitá-la.
Pois é nesse conforto em que me encontro são.

Pintura de Ira Withacker

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Estilhaços


Eu procuro em ti pedaços meus;
partes de mim desencontradas
que em algum momento de adeus
se desprenderam qual criaturas aladas.

Eu busco em ti algo pronto
um encontrar-me, um remendar-me...
Mas sei que fujo do real confronto
ao simples soar de um alarme.

O medo que de mim se apodera
é o medo da terrível descoberta:
de ver no espelho aquela fera

que entre tantos dentes me aperta.
E notar que todos os meus pedaços
estavam aqui em diferentes laços.

Pintura de Jacqueline Marr


sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Ainda me lembro de ti



Ainda espero uma resposta tua...
Uma daquelas que confortam
os anseios loucos que me cortam
e que me impeça de atirar-me à rua.

Ainda lembro da tua pele nua...
Dos vários beijos descontrolados;
dos suspiros longos, demasiados;
do abraço que hoje de mim recua.

Ainda somos a parte crua...
Um possível projeto incompleto;
um quase de dores repleto
que em ninguém mais se situa.

Pintura de Steve Walker

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Desistência



Eu quero desacelerar...
Quero frear o tumulto dos contatos humanos.
Implodir as bases do meu corpo,
lançar-me ao êxtase dos mais simples enganos.

Eu quero descansar...
Quero me entregar ao mais profundo sono.
Esquecer o mundo externo,
as pessoas, o trabalho e entrar em abandono.

Eu quero inexistir...
Quero viver tão somente em mim e para mim.
Levitar em sonhos eternos,
em nuvens de devaneio e morbidez sem fim.

Eu quero dormir...
O sono mais letal...

Pintura de Daniela Savini


domingo, 13 de agosto de 2023

Eu tenho medo de permanecer...


Eu tenho medo de permanecer...
Tenho medo de aprisionar-me
e que depois ninguém desarme
o explosivo que eu viria a ser.

Eu não quero me tornar mais um.
Mais um dos Sísifos conformados
que não conseguem olhar os lados
da louca sina cíclica, tão comum.

Eu quero minha mente inquieta
mesmo que seja por qualquer loucura.
Quero ouvir a voz que me afeta,

que me lança na dor e completa,
dentro da mesma névoa escura,
o local onde um dia já vi brancura.

Pintura de Tomasz Alen Kopera

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Consumpção




O que me move?
O que me impele?
Qual revolta rasga tua pele?

Qual lágrima foi responsável
pelas feridas na tua alma?
Ainda que eu disponha de calma
não há nada mais viável
do que a dor na mão que se espalma.

E a mão, agora inerte,
apodrece, em nada se converte...
A garra fúnebre da morte cresce,
me aperta, sufoca... meu eu fenece.

Arte de Sabatino Cersosimo

segunda-feira, 17 de abril de 2023

A grande obstinação


O medo do óbvio me consome,
convertendo em lágrimas frias
a verdade há tanto retraída...
Perdi o desejo, a sede, a fome...
Me deitei, adormeci nas agonias
deste padecer ainda sem nome.

A verdade que só a mim perturba
sempre esteve aqui me arranhando...
Pequenos rasgos, úlceras mortais
nasciam em mim como grande turba
de vermes putrefatos fervilhando
na mente que a si mesmo se conturba.

O inalcançável sempre foi premeditado
desde as primeiras linhas escritas.
O mesmo espetáculo, um novo ator,
se desenlaça com o enredo ensaiado.
Ainda que com possibilidades infinitas
persisto na dor e a mantenho ao meu lado.

Arte de Heitor Silva

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