terça-feira, 22 de novembro de 2022

Deslocado



Ando me desencontrando de mim mesmo;
me perdendo por inteiro em olhares opacos.
Há uma força que me impele a viver a esmo,
que me puxa e me envolve em braços fracos.

Minhas ações já não fazem parte de mim;
meus pensamentos, desconexos e nebulosos,
como aves sem pouso, voam para o seu fim...

Não me reconheço entre os meus pares.
Será que realmente necessito de outros ares?

Ou o mundo simplesmente me quer assim?

Pintura de Lahiru Karunasena

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Toque




Sentir o toque vivo e involuntário
de qualquer parte da cálida pele
deste teu corpo me faz ser vário
é um vício que me torna usuário
desta droga que a ti me compele.

A mais tenra fricção é responsável
por maquinais espasmos almejados;
por suspiros retidos em instável
desejo febril, tal fera amigável
que lambe, morde por todos os lados...

Todo o corpo rendido à louca fome...
Mãos famintas e uma língua sedenta
ansiosa, perscrutando um abdome,
acendem a volúpia com o meu nome
sussurrado numa carícia lenta.

Pintura de Paul Richmond


sábado, 3 de setembro de 2022

Divã



Qual é o problema?
O problema sou eu.
O problema é você.
O problema está em mim 
e em qualquer um que crê.

O que é o problema?
O problema é um querer;
é uma vontade de crescer;
é um desejo de morrer;
é uma ausência de viver...
Qual é o tema do teu problema?

De onde vem o problema?
O meu problema vem de dentro;
vem de fora, vai embora...
Volta e me arremessa para o centro
da dor e o desespero, aflora, chora...
De onde vem o teu problema?

Quais dos teus problemas são teus?
Quais dos teus problemas são meus?
Quantos são os teus problemas?
Quando são...?
Onde estão...?
Os dos outros?
Os nossos...

Pintura de Alberto Pancorbo

domingo, 3 de julho de 2022

Ciúme: a dor expectante



Que forma tem a dor?
Qual a cor dela?
A minha dor é uma silhueta...
A silhueta de uma entrega.
A minha dor tem cor de facilidade,
uma cor escura e distante
que eu não alcanço.

A minha dor também tem movimento.
Ela se move num beijo longo e demorado
salpicado daqueles curtos
com gosto de despedida 
e de até logo.

A minha dor me deixa inerte.
O que se move em mim
é o pulsar acelerado;
é o nó na garganta que tento engolir;
é o piscar dos olhos
para conter lágrimas.

Por que o premeditado dói?
Acredito que o que dói
é a rapidez e a forma (in)esperada
com que ele chega.

Não. Eu não quero ser a silhueta.
Não daquela forma.
Eu não quero ser ou causar facilidade.

Que forma tem a dor?
A dor tem a forma que eu nunca quis.
Eu a projetava em meio a intrigas.
Mas ela veio, fácil demais.
Inesperada.

Com o que a dor se parece?
A minha é um Gustav Klimt
feito de sombras.
Mas sabe por que dói mais?
Porque foi fácil...

Que forma tem a sua dor?
A minha é uma silhueta...
Mas na verdade ela foi uma entrega...
Fácil... Fácil demais.

Pintura de Gustav Klimt

sábado, 18 de junho de 2022

Passei a noite buscando teus olhos


Passei a noite buscando teus olhos,
eles fugiam de mim ou não me viam.
Passei a noite procurando tuas mãos,
elas, escorregadias, ensaiavam nãos,
acenavam restrições que me doíam...

Passei a noite buscando teus olhos,
mas eles acariciavam outras mãos.
Passei o restante da noite... Só passei.
Será que não sou visto ou ainda serei?

Separei meus lábios: um beijo refém...
Terminei a noite fechando meus olhos,
para encontrar os teus assim também.

Pintura de Paul Richmond

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Um trauma



Uma lufada de emoções de mim se apossa,
nenhuma delas se encontra em excesso.
Todas equilibradas num olhar confesso,
entregues a essa dor que me desossa.

As paredes do meu corpo tão desgastadas
pelos disparos de olhares diversos
ainda ocultam e protegem meus eus submersos
nas angústias e dores enraizadas.

Cada pedaço de mim é um grito inaudível
sob os escudos de um riso tranquilo,
que, sem apresentar um único vacilo,
firma os muros deste ser invisível.

Pintura de Paul Richmond

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