terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Confidência
Enlaçar nos braços
e, para mim, trazer
tu que me atas em laços
calorosos a conter
nos mínimos traços
coisas que não se vê.
Buscar pelas frestas
de olhos semicerrados
o motivo de tão honestas
carícias e doces cuidados
que, vagos, voam nestas
linhas sonoras, acalentados.
E em um quarto escuro
onde as palavras dançam,
os pensamentos de futuro
ao esquecimento se lançam
para, em espaço seguro,
beijarem os que descansam.
Pintura de Nancy Rourke
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
Vasca
Olhos ausentes que abandonam
a luz das descargas elétricas
vindas das ideias que acionam
muitas lembranças assimétricas.
Unhas ferindo a epiderme
procuram, convulsivamente,
livrar-se de nojento verme,
memória que enfraquece a mente.
Um luto de alma não contrita,
desertor da voz racional,
agitando-se logo grita:
- Paixão é doença mortal!!
Pintura de Alberto Pancorbo
domingo, 16 de novembro de 2014
Desejo alado
Hoje eu acordei com vontade
de ser amado por alguém
que alcança com facilidade
aquilo que em mim vai além.
Não é vontade qualquer
dessas que a pele transpira.
É um todo que pode até
extinguir-se quando suspira.
É um leve desejo de ave
que apenas plana, não voa.
Que vive a sensação suave
desta brisa que atordoa.
E lá no alto, agora tão grave,
já não mais plana, sobrevoa.
Pintura de Meghan Howland
domingo, 9 de novembro de 2014
Domingo de manhã
Um sopro de saudade
abraçou meu peito
assegurando a idade
em que hoje me deito.
Onde os pensamentos,
antes frenéticos e açucarados,
dormitam sem acalentos,
tristes ou apenas cansados.
Os olhos com fome voraz
somente lambem o presente
na falha tentativa mordaz
de cobiçá-lo eternamente.
Afogando-me em cenas
desconexas ou atemporais,
respiro as manhãs morenas
de meus domingos normais.
Pintura de Ellen Dreibelbis
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
Ideias
Uns olhos surdos alimentam
a mente cega que povoa
a vida daqueles que tentam
exaurir a voz que ecoa.
Um grito curto, mutilado,
de bocas secas e sedentas
escarra a dor deste legado
de ideias mortas, virulentas.
Amparadas em "um qualquer".
Nutridas com "não sei o quê".
Vão ideias numa colher
goela abaixo sem querer.
E mais vítimas vão surgir
regurgitadas sem noção,
suas vidas são um porvir,
coaguladas num grande NÃO.
Pintura de Olivier de Sagazan
domingo, 21 de setembro de 2014
Um quando
O quando é só um momento.
Uma folha que foge com o ar,
uma fagulha que voa no vento,
ambas felizes por, assim, estar.
Livres, soltas no pensamento
dos que sonham em qualquer lugar.
O quando também é eterno.
Envolto em grande carinho
daqueles de amor materno.
E mesmo estando sozinho
conservo-o em um caderno,
e abraço-o em meu caminho.
Pintura de Christian Schloe
domingo, 7 de setembro de 2014
Era uma outra vez
Observar o pendular dos pensamentos
marcando os minutos com tempos diferentes.
E contar sílabas brancas em movimentos
de mãos solitárias e mesmo assim tão quentes.
É permissão para voar alto
com asas de tamanho sem fim;
Depois pousar em teu lábio incauto
e, então, sonhar com o terno sim.
Eu conto o tempo todo
minutos que são horas.
Vejo-me neste lodo
de inúmeras demoras.
Perco tudo...
Outra vez
eu me iludo.
Tu não vês...
Pintura de Alberto Pancorbo
domingo, 31 de agosto de 2014
A Janela e o Vento
para que o libidinoso Vento,
rápido e sempre alerta,
não desperdiçasse o momento.
Ele tocava-lhe as pernas,
arrancava-lhe um suspiro...
Cantava frases eternas
lambia o pescoço como um vampiro.
O corpo era todo entregue
ao invisível amante.
E, mesmo que não alegue,
ela o queria a todo instante.
A satisfação não era tê-lo,
não era dar-se completamente.
Era despedir-se com um apelo:
- Amanhã, não se faça ausente.
Pintura de Edward Hopper
domingo, 24 de agosto de 2014
Notas úmidas
Enquanto os lábios se perseguem,
em loucura cega com sabor de sangue.
As mãos firmes, mudas, conseguem
expressar o desejo do corpo exangue.
A pele quente reverbera as notas
daquela canção de união carnal.
Enquanto os olhos desviam as rotas
de uma lembrança sentimental.
O toque terno de um sentir,
mesclado à força de um desejo,
contém as gotas que estão por vir.
Onde, amarrotadas neste solfejo,
cintilam ao longe nos olhos arrependidos;
caminham exaustas nos corpos despidos.
Pintura de Alex Stevenson Díaz
domingo, 17 de agosto de 2014
Senti(N)do
Mordo meus pensamentos
e sinto gosto de saudade.
Eventos soltos aos ventos,
velados pela sobriedade.
Um fio de cabelo solto
encontrado em meu travesseiro
suscita um sorriso envolto
em carícias de um ano inteiro.
Uma palavra, talvez nunca dita,
com cheiro do que foi bom,
foge pelos dedos em escrita
e é por todos chamada de dom.
Do que vejo e sempre calo
toco e não saboreio.
Não guardo o sabor do que falo.
Às vezes, escuto o que tateio.
Pintura de Alberto Pancorbo
domingo, 10 de agosto de 2014
Desconforto
Estou chorando sílabas mudas
que gotejam palavras futuras
suscitadas nas dores agudas,
nos plurais desta vida de agruras.
No mar interno de um soluço
meu peito salta em convulsão.
E neste travesseiro me debruço
remoendo falhas que ainda virão.
Frases cegas correm sem rumo
procurando um ouvido qualquer.
Palavras unidas em simples resumo,
no intuito de alcançar uma fé.
Enlouquecidas pele desespero,
morrem exauridas em seu exagero.
Pintura de Jean Hippolyte Flandrin
domingo, 3 de agosto de 2014
Pensamentos Cegos
Da escuridão da minha existência
meus dedos correm pelo teu rosto
buscando enxergar esta essência
que me tira a sensação de desgosto.
É este toque que me traz esperanças
de ver as luzes que um dia inventei
nas sombras de falsas lembranças,
nos olhos que criam sua própria lei.
E quando a pele eriçada tremer
em um suspiro de total entrega
somente meus lábios irão ver
o rosto que a mim não renega.
Um sol nunca visto nos queimará
sem dor, sem qualquer sofrimento.
E esta chama será o nosso lar
mesmo que seja por um momento.
Pintura de Alberto Pancorbo
domingo, 13 de julho de 2014
A Lâmina
passeia delicadamente
sobre a pele que se arrepia
aos desvarios da louca mente.
E esta vida sem voz,
cega, sem auxílio algum,
entrega-se ao seu algoz,
com quem ainda é um.
O assassino agora vê,
mesmo com visão turva,
a artéria deixando correr
a longa e vermelha curva.
Sua visão cambaleante,
braços sem forças, caídos.
Cai sem rumo no distante
mundo dos esquecidos.
Pintura de Brigitte Johnston
segunda-feira, 23 de junho de 2014
Afogado
Se não fossem as palavras brancas
que me atormentam a cabeça,
aqui onde um algo tu destrancas
que me impede que te esqueça.
Andaria a cantarolar um ócio,
daqueles que se apossam de um dia.
Mas este aqui não é tão dócil
e faz aquilo que eu não faria:
Envereda pelos pensamentos
acorrentados pelo passado
e livrando-os de esquecimentos
coloca-os ao meu lado.
Então, teus olhos me acorrentam;
tua boca sussurra beijos frios...
tuas mãos de névoa me atormentam
e me afogam em teus rios...
Pintura de Cody Seekins
domingo, 15 de junho de 2014
Persistência
Amarrem-me as pernas e braços.
Em instantes, com suaves passos
tais nós se transformam em laços.
Tirem-me a visão, quebrem-me os ossos.
Ainda em vida e em meio aos destroços
dançarei na alegria dos que são nossos.
Mas não tirem de mim a vontade,
o desejo de Ser que me invade
que me faz humano de verdade.
Pintura de Sebastián Cardenete
domingo, 8 de junho de 2014
Um dois no singular
O meu amor é único.
Novo a cada dia.
A intensidade de ontem
não é a mesma de hoje.
Ele é ímpar.
Nunca o mesmo,
sempre renovado.
Minha tristeza também.
As lágrimas de outrora
não caem pelo mesmo motivo,
não cessam pelo mesmo querer.
O meu querer é um só:
Me quero feliz no amor camoniano.
Me torno feliz depois da dor.
Amo infeliz sem esta aflição.
Pintura de Steve Walker
domingo, 1 de junho de 2014
Introversão
Um dia de sol
é só mais um dia claro.
Um dia quente,
comum, não raro.
Mas, neste hoje,
fugi do comum
e lembrei dias alvos
onde eu não era só um.
O hoje não é ruminação,
é lembrança, é consciência...
Não é saudade, é certeza
da minha existência.
Não encontrei o pintor desta obra. Se alguém souber, avise-me.
(Painting: author not found)
segunda-feira, 12 de maio de 2014
tom da sauDade
Eu poderia te amar mil vezes;
sussurrar centenas de declarações
enquanto te conteria em meus braços.
Mas te tenho aqui numa música.
Uma dessas músicas com sabor de saudade,
que nos fazem felizes e tristes ao mesmo tempo.
Poderia te cantar e ouvir para sempre.
Porém, só me bastaria um toque, um suspiro,
uma única nota que te trouxesse a mim por um segundo.
Pintura de Sarah Joncas
terça-feira, 6 de maio de 2014
Ode ao futuro presente
É fome de barriga cheia
e barriga cheia de fome.
Demos vivas à desgraça!
cantemos hinos à opressão!
Que o erro certo se faça
nas mortes pedidas em oração!
Bendigamos a sapiência do tolo
e enxotemos a opinião do sábio.
E ao bom verso, este consolo:
livre do arrogante lábio.
Pintura de David Siqueiros
sábado, 26 de abril de 2014
Dois
Toques delicados
que confortam o coração,
são as palavras de um amigo,
desses que guardam consigo
a plena carícia da atenção.
Ouvidos alertas
que se voltam a um sussurro,
são as atitudes de alguém querido.
Alguém que, mesmo ferido,
volta quando o empurro.
E há olhos inquietos
que não entendem o porquê
da singularidade do sentimento,
que une, ainda que em sofrimento,
pessoas distintas: eu e você.
Pintura de Steve Walker
quarta-feira, 16 de abril de 2014
Gotas
Gotas caíam do céu
adjetivadas.
Gotas caíam dos olhos
verbalizadas.
Soluços rasgando papel
em esperanças infundadas.
Serpenteavam pela pele
inflamadas,
essas gotas, semanticamente
carregadas.
E, corriam de corpo para corpo
em ânsias desvairadas.
Pintura de 非(xhxix)
domingo, 9 de março de 2014
A paixão escreve...
A tua presença me basta.
Tua respiração é canção,
melodia que não se afasta
e me faz perder a razão.
Hoje, sonho com os olhos abertos.
Esqueço-me em qualquer lugar...
Quero teus lábios cobertos
pelos meus, a te beijar.
Tu, meu poema humano,
não me deixes tão só assim.
Permanece comigo por um ano,
depois fica até o fim.
Pintura de Oliver Ray
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Desapego
Essas lágrimas são as últimas.
Creio que isso seja verdade.
Ainda que sejam penúltimas
são de complexa sinceridade.
Uma esperança foi morta,
depois de tantas mutilações.
E hoje eu vejo uma porta
que me chamava entre clarões.
E eu putrefato me arrasto,
buscando essa salvação.
Mas, das lágrimas não me afasto.
Escorre esta lama no chão.
Caio em devaneio. Louco...
Desesperado, em frente ao portão
Sou aquele mendigo rouco
que implora um pedaço de pão.
Cortam-me as artérias...
Meus olhos se espalham na calçada
Sufocam-me as vias aéreas...
Minha dor, nas lágrimas, afogada.
Pintura de Teresa Dias Coelho
domingo, 2 de fevereiro de 2014
Flerte
Esses olhos que me fitam,
esperançosos por um querer...
Banhados em lágrimas, gritam,
contorcem-se sem se mover.
Esses olhos que me lambem,
sedentos de qualquer carícia...
Suplico-lhes que me chamem
no silêncio desta hora propícia.
Esses olhos que me consomem,
saudosos desta relação sucinta,
não desviam-se, porém somem
sussurrando um: - SINTA... Sinta...
- ...sinta...
Pintura de Vladimir Kush
domingo, 26 de janeiro de 2014
Insônia
Luz pálida de um dia febril
ilumina, mas não brilha;
é sentida e não aquece
logo cortada por leve brisa.
Quando aparece e não avisa
é semente do que se esquece.
Luz do reflexo noturno
tenta em vão continuar.
Tu não sabes que tua vida
é visitada pelo amor insone
onde tu és dele o cicerone
que ao papel e à pena convida.
Ilustração de John Jude Palencar
domingo, 19 de janeiro de 2014
Vã saudade
Lá do alto uma estrela ilumina
as lágrimas de um olhar tonto.
Que soluça ao ver em sua sina
tão amargo e perpétuo confronto.
Luta em vão contra uma saudade
que interfere em um amanhã.
- Saudade, vem e olha-me a idade.
Não me deixes em ilusão vã.
Pintura de Alvaro Dobladez
sábado, 11 de janeiro de 2014
Aqui
Colocaram-me vendas midiáticas,
coloridas de verde e amarelo,
que impediam-me não de ver,
mas de pensar.
Eram de preciosidade fútil,
de lamentação risonha,
de escândalos antagônicos.
Pura vergonha.
Pintura de Alberto Pancorbo
domingo, 5 de janeiro de 2014
Outra Manhã
Abrir os olhos e te ver...
Te ver em meus pensamentos,
atordoados pelos sonhos
protagonizados por ti.
E eu, mero figurante,
assisto teus movimentos
e deixo que dance em mim
toda essa legião de sensações.
São sensações, somente isso.
Todas sibiladas, venenosas,
ao coração de amor saudoso.
Pintura de Douglas Simonson
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