sábado, 20 de fevereiro de 2021

O mentiroso



Revesti minhas palavras...
Dei-lhes nova aparência.
Eliminei a feiura que as impedia
de alcançar do outro a consciência.
Evoquei-as em tão linda melodia
que os ouvidos ingênuos embebia.

A mentira, essa furtiva cobra peçonhenta,
sufocava-me os pensamentos.
Turvava-me a visão.
Enchia-me de tons agourentos
Não me permitia sorrir até então.

Só depois de acobertá-la
com o sibilar da língua culta,
e com a riqueza do alto léxico,
pude aceitar a inverdade que resulta
desse meu discurso anoréxico,
que a mim e aos outros sepulta.

A covardia me impeliu...
Foi uma coragem às avessas...
Deixei-me levar pelo orgulho,
sufocando-me em nuvens espessas.
Agora, sem trégua vasculho
os destroços de todo o entulho
em que a mentira ordenou: Desça!

Pintura de 非 hi

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