segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Adeus


Vai e voa o mais alto que puder,
deixa aqui em mim, de ti, o melhor.
E quando a primeira lágrima estiver,
lentamente, invocando a dor maior,

lança-me, dos teus olhos, a luz
e eu poderei iluminar-me por inteiro.
Só assim, verei o quanto se reduz
o aperto que me será rotineiro...

Pintura de Cyril Rolando

domingo, 8 de novembro de 2015

Soslaio

 
Deparo-me com suas janelas,
luminosas, líquidas esferas.
Por ousadia mergulho nelas,
mansas e observadoras feras.

Subitamente me são fechadas
para depois, novamente abertas,
serem frias e vitrificadas
câmeras de vigilância alertas.

Logo, perdem-se na multidão
tuas janelas semicerradas.
E prossigo nesta contramão
de tantas vidas desencontradas.

Pintura de Johannes Vermeer

domingo, 25 de outubro de 2015

Violação




Uma mão, como mordaça,
abafa qualquer pedido.
Todo o esforço fracassa
e algum grito é só gemido.

Os olhos vitrificados,
(adjetivados pelo medo)
na parede descansados,
forçam a fuga deste enredo.

E, para que servem, as mãos?
Para tremer e nada mais.
Depois de tantos nãos,
crispam-se os dedos em ais.

E agora, minha querida,
leva contigo esta eterna ferida.

Pintura de Sarah Joncas

domingo, 27 de setembro de 2015

Buquê de beijos



Traga-me um buquê de beijos,
preciso enfeitar meu rosto.
Cubra-me com seu abraço
neste frio que traz o gosto
da saudade, eterno laço.

Traga-me numa tela seu beijo,
preciso enfeitar minha sala.
Pinte-me nos muros da cidade,
naquela rua que encurrala
os namoros de outra idade.

Traga-me numa tela o buquê,
pois a parede da minha sala
precisa ter um porquê..

Pintura de Octavio Ocampo

domingo, 13 de setembro de 2015

Sobre a opinião do idiota



Perguntaram-me sobre as ideias.
Respondi que elas são pedaços;
Pedaços  de você que vieram de fora.

Mas é um de fora estranho,
um daqueles que vem de dentro
e quer ser de fora.

Que somente faz isso para livrar
do dono a culpa,
caso seja algo ruim.

E se, por acaso, for algo bom,
ele nunca veio de fora.
Veio de dentro.

Pintura de Jess Black

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Entrelinhas


Percebo que hoje compreendi
as palavras que vinham soltas,
aquelas nas quais me perdi,
e estavam na volúpia envoltas.

Lembrei de um você tão pequeno,
os olhos de desejo e vergonha.
Escondia no peito o veneno,
nas mãos a vontade que sonha.

Mesmo as portas que se fecharam,
não mais me impõem qualquer limite.
As palavras não me enganaram:
Você é o meu melhor convite.

Pintura de Christian Schloe

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Cartas vivas


Cartas com flores abertas
caligrafadas sem precisão
galhofam das vidas incertas,
tortas, nem sempre cobertas
de discrição.

Flores com cartas fechadas
endereçadas onde não estão
choram pelas vidas largadas,
de tão tristes, apaixonadas
sem razão.

Corpos com almas abertas
entregam-se sem motivos.
Recebendo da vida os alertas,
com feridas entreabertas,
eis os cativos.

Pintura de Rafal Olbinski

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Várias vezes



Na vez primeira
o cheiro foi fogo ardente,
a visão, cobiça confidente
que traz a mortal e impaciente
dor desta cegueira.

Outra vez mais
um beijo seria conforto,
um abraço, perfeito porto
que mantém vivo o morto
som dos meus ais.

Uma vez ainda
um toque seria alívio,
um olhar, novo convívio
que forja o longo e trívio
atalho que não se finda.

Numa última vez
o sentir seria um engano,
o voltar, outro erro humano
que alimenta o desejo profano
que vem da tua nudez.

Pintura de Tomasz Alen Kopera

terça-feira, 19 de maio de 2015

Cicatriz


Em algum ontem perdido
ficaram minhas esperanças
atadas em laço comprido,
aquele há muito esquecido
nas marcas de outras andanças.

Este hoje é fúnebre mancha;
de um incêndio o último vestígio;
resto memorial que se engancha
em pensamentos tortos e desmancha
sorrisos em ato findo de prodígio.

O amanhã será um ontem qualquer,
a repetição de um doce clamor.
Insistindo naquilo que não é
agarrando-se em tudo que tiver
da memória o ínfimo sabor...

Pintura de Tomasz Alen Kopera

sábado, 25 de abril de 2015

Arritmia



Só por um instante eu me enganei
achando que os lábios poderiam
conversar mais do que os olhos
e cri que estes, mesmo fechados,
não nos deixariam cegos,
pois as mãos enxergariam
as curvas trêmulas da pele.

Coloque a mão sobre meu peito
e sinta a arritmia que você me causa.

Ignore minhas palavras,
mas não ignore a memória
da qual faço parte.
Me abrace em seus pensamentos
para que meus sonhos fiquem aquecidos
pelo calor que não é ofertado a mim.

E quando meu lábio tocar o seu
não haverá toque,
serei sombra de um ontem esquecido
numa madrugada nua e fria.
Contudo, não me abondone
mantenha-me nas cores inconvenientes
das suas melhores lembranças.

Para que assim você me beije
sem poder fazê-lo
e me namore no mais íntimo
e longínquo espaço do seu coração,
onde a culpa não possa nos atormentar.

Coloque a mão sobre meu peito
e sinta a arritmia que você me causa.

Pintura de Tomasz Alen Kopera

segunda-feira, 30 de março de 2015

Aranha tecendo uma teia


Aranha tecendo uma teia.
Assim pareciam os dedos
cantarolando uma dor cheia
de grandes e pequenos medos.

Tímidos espasmos nervosos
descompassavam a canção.
Enquanto olhos meticulosos
abraçavam com emoção

as mudas notas digitais
que reverberavam o ar.
Era um som que não se desfaz
que só olhos podem notar.

Ansiedade, mãe desta veia
musical tão apreciada,
suscita uma aranha e sua teia
nos dedos de alma perturbada.

Pintura de Nicoletta Ceccoli

domingo, 15 de março de 2015

A cela



Me expandi além da moldura,
ela não mais me contém.
Fugi pela parede escura
para te fazer refém.

Sou a cor clara lacrimal,
as pinceladas de um choro
pintado em tom arterial
e ouvido em fúnebre coro.

Eu me arranquei daquela tela
para olhar as tuas cores.
Ver os olhos em aquarela
pulsando do peito as dores.

Me lambe tal insanidade
Me colorindo em verso maior...
E me foge a liberdade
em um muro sujo e só...

Pintura de Alex Stevenson Diaz

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Agrilhoado


Os protestos surdos de almas valentes
que correm buscando uma ilusão,
crepitam nos corações descontentes
sonhando com o fim da solidão.

Dias em que todos querem amar,
alcançar a aspiração tão querida:
bater as asas, lançar-se no ar,
volitar e abandonar esta vida.

A vontade de encontrar um desejo
é proliferada em alguns quaisquer
que mendigam um nojento sobejo,
resto putrefato, "dos que têm fé."

Então, surgem outras vontades loucas,
quadros brilhantes de lugar nenhum.
E, enganam tantos, essas vozes roucas
que fazem do engano um bem comum.

Pintura de Tomasz Alen Kopera

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O visitante

 
Bateu-me, um poema,  à porta da mente.
Adentrou sem permissão ou convite.
Abriu-me aquelas janelas criativas
para arejar a dor remanescente;
Olhou-me e sussurrou uma ordem: "- Grite!
Não ouça os discursos da falsa gente!"

Reiterou-me o comando proferido.
Pedindo cautela e muita atenção.
"- Abandona-te em um dos outros vícios.
Um daqueles que já tens esquecido
nos traços e curvas da solidão."
E, fugiu-me pela janela o atrevido.

Pintura de John Armstrong

domingo, 11 de janeiro de 2015

A um poeta perdido

 
Esqueci-me de mim,
perdido por aí, em lugar qualquer.
Tomado por algo ruim,
desses algos que ninguém quer.

Abracei solidão,
intercalei lágrimas e suor...
Tornei-me multidão,
várias partículas de pó.

Então, pude entender
todas as letras que me desenhavam.
Não busquei o porquê,
fluí com as palavras que dançavam.

Pintura de Alexander Daniloff

domingo, 4 de janeiro de 2015

Tchau em recortes




Tome meu tempo.
Roube-o.
Fale-me de coisas banais.
Trace caminhos tortos.
Faça-me rir.

Tome meu tempo.
Abrace-o.
Toque-me, inconsciente.
Acene para mim.
Deixe-me aqui.

Tome meu tempo.
Ame-o.
Conte-me falsas verdades.
Vire-se para mim.
Roube-me.
Leve-me, tempo.

Pintura de Kara Hendershot

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