domingo, 9 de outubro de 2016

O professor

 
Sopro ideias ao seu ouvido
e as vejo fervilhar.
Os olhos, em brilho incontido,
sorriem por iluminar.

Abri portas de um mundo vasto
e te ensinei a voar.
"— Não se preocupe, eu não me afasto,
estarei a observar."

Aprendi a me dividir
nas vidas confiadas a mim.
E quando desta vida eu partir,
nelas viverei sem fim.

Pintura de Morgan Weistling

domingo, 7 de agosto de 2016

Marcas


Vi seus olhos acidentalmente.
Convenientemente, os perfurei.
Notei a pequena semente latente
e com letras carinhosas a reguei.

A faísca agora tornou-se incêndio,
e o inusitado olhar foi o ensejo
que em pouco tempo se fez compêndio
das várias formas de um desejo.

As palavras faladas e escritas
anunciavam aquelas palpáveis.
E, nos lábios, as vontades aflitas
ganhavam formas indecifráveis.

Neste ontem de horas não contadas
de carícias e beijos sem fim,
as palavras, à noite, sussurradas
deixaram seu perfume em mim...

Pintura de Steve Walker

domingo, 5 de junho de 2016

Persistência lacrimal


A água lacrimal me invade
e sofre, em espasmos, o peito.
Ecoa e escoa a vã saudade
pelo chão onde me deito.

A mecânica das lembranças
é suficiente para afogar
a vida num rio de andanças
que não alcança um mar.

Pintura de Cláudio Bravo

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Espera


Eu consigo ouvir cada passo,
a aproximação do teu andar.
Meu coração segue teu compasso
e acelera-se sem qualquer cansaço,
pois anseia por te encontrar.

Meus olhos farejam o teu rosto
em cada curva, cada esquina...
Minhas mãos já sentem o gosto
da tua pele, do acariciar composto
de loucura e satisfação paulatina.

A espera é a suprema tortura
que nos acorrenta e depois mata.
Pior ainda é esta grande amargura
que alimenta uma dor e fratura
os sonhos enquanto os ata.

Pintura de Fabian Perez

domingo, 13 de março de 2016

Jazigo


Crescem, as flores no meu peito
regadas com lágrimas de saudade.
Aconchegadas onde me deito,
este antro pequeno e estreito
esculpido com as pedras da idade.

Meus olhos foram galvanizados
pelo medo da ferrugem sangrenta
que, fluindo para todos os lados,
consome, corrói os olhos molhados
de fria e crua vida cinzenta.

No entanto, a mim, resta o olfato.
E, com ele, o perfume crescente
das jovens flores às quais me ato.
E nesta dança é pintado um retrato:
a alma viva de uma semente.

Pintura de William Kotarbinski

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O legado



Toque o sulco solitário
das minhas costas
e sinta o frio adversário
de forças opostas.

São espasmos de medo;
arrepios de gozo;
tensões mantidas em segredo
daquele olhar curioso.

Veja a marca invisível
que foge pelos olhos meus.
Ouça a voz inaudível
fortalecendo o impossível
começar de um adeus.

No meu rosto sem marcas,
nas minhas mãos ressecadas,
está o fim que me deram as parcas
onde os sentimentos monarcas
me têm em dores sedimentadas.

Pintura de Alberto Pancorbo

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Um santo insight

 (Papel em mãos)

Olhei a estrofe inicial...
A sobrancelha erguida
iniciou a dúvida fatal.
O silêncio tomou vida
numa dança sensual
que desalinha o natural
caminhar do suicida.

(Réplica)

Minha linha está torta
porque flui sem medo,
ferindo a grande aorta
que apontava o dedo.
E agora, nada importa,
teu beijo não conforta,
o olhar não tem segredo.

Pintura de Tamor Kriwaczek

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