domingo, 31 de agosto de 2014

A Janela e o Vento


A Janela ficava aberta
para que o libidinoso Vento,
rápido e sempre alerta,
não desperdiçasse o momento.

Ele tocava-lhe as pernas,
arrancava-lhe um suspiro...
Cantava frases eternas
lambia o pescoço como um vampiro.

O corpo era todo entregue
ao invisível amante.
E, mesmo que não alegue,
ela o queria a todo instante.

A satisfação não era tê-lo,
não era dar-se completamente.
Era despedir-se com um apelo:
- Amanhã, não se faça ausente.

Pintura de Edward Hopper

domingo, 24 de agosto de 2014

Notas úmidas

 
Enquanto os lábios se perseguem,
em loucura cega com sabor de sangue.
As mãos firmes, mudas, conseguem
expressar o desejo do corpo exangue.

A pele quente reverbera as notas
daquela canção de união carnal.
Enquanto os olhos desviam as rotas
de uma lembrança sentimental.

O toque terno de um sentir,
mesclado à força de um desejo,
contém as gotas que estão por vir.

Onde, amarrotadas neste solfejo,
cintilam ao longe nos olhos arrependidos;
caminham exaustas nos corpos despidos.

Pintura de Alex Stevenson Díaz

domingo, 17 de agosto de 2014

Senti(N)do


Mordo meus pensamentos
e sinto gosto de saudade.
Eventos soltos aos ventos,
velados pela sobriedade.

Um fio de cabelo solto
encontrado em meu travesseiro
suscita um sorriso envolto
em carícias de um ano inteiro.

Uma palavra, talvez nunca dita,
com cheiro do que foi bom,
foge pelos dedos em escrita
e é por todos chamada de dom.

Do que vejo e sempre calo
toco e não saboreio.
Não guardo o sabor do que falo.
Às vezes, escuto o que tateio.

Pintura de Alberto Pancorbo

domingo, 10 de agosto de 2014

Desconforto


Estou chorando sílabas mudas
que gotejam palavras futuras
suscitadas nas dores agudas,
nos plurais desta vida de agruras.

No mar interno de um soluço
meu peito salta em convulsão.
E neste travesseiro me debruço
remoendo falhas que ainda virão.

Frases cegas correm sem rumo
procurando um ouvido qualquer.
Palavras unidas em simples resumo,

no intuito de alcançar uma fé.
Enlouquecidas pele desespero,
morrem exauridas em seu exagero.

Pintura de Jean Hippolyte Flandrin

domingo, 3 de agosto de 2014

Pensamentos Cegos


Da escuridão da minha existência
meus dedos correm pelo teu rosto
buscando enxergar esta essência
que me tira a sensação de desgosto.

É este toque que me traz esperanças
de ver as luzes que um dia inventei
nas sombras de falsas lembranças,
nos olhos que criam sua própria lei.

E quando a pele eriçada tremer
em um suspiro de total entrega
somente meus lábios irão ver
o rosto que a mim não renega.

Um sol nunca visto nos queimará
sem dor, sem qualquer sofrimento.
E esta chama será o nosso lar
mesmo que seja por um momento.

Pintura de Alberto Pancorbo

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