sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Ainda me lembro de ti



Ainda espero uma resposta tua...
Uma daquelas que confortam
os anseios loucos que me cortam
e que me impeça de atirar-me à rua.

Ainda lembro da tua pele nua...
Dos vários beijos descontrolados;
dos suspiros longos, demasiados;
do abraço que hoje de mim recua.

Ainda somos a parte crua...
Um possível projeto incompleto;
um quase de dores repleto
que em ninguém mais se situa.

Pintura de Steve Walker

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Desistência



Eu quero desacelerar...
Quero frear o tumulto dos contatos humanos.
Implodir as bases do meu corpo,
lançar-me ao êxtase dos mais simples enganos.

Eu quero descansar...
Quero me entregar ao mais profundo sono.
Esquecer o mundo externo,
as pessoas, o trabalho e entrar em abandono.

Eu quero inexistir...
Quero viver tão somente em mim e para mim.
Levitar em sonhos eternos,
em nuvens de devaneio e morbidez sem fim.

Eu quero dormir...
O sono mais letal...

Pintura de Daniela Savini


domingo, 13 de agosto de 2023

Eu tenho medo de permanecer...


Eu tenho medo de permanecer...
Tenho medo de aprisionar-me
e que depois ninguém desarme
o explosivo que eu viria a ser.

Eu não quero me tornar mais um.
Mais um dos Sísifos conformados
que não conseguem olhar os lados
da louca sina cíclica, tão comum.

Eu quero minha mente inquieta
mesmo que seja por qualquer loucura.
Quero ouvir a voz que me afeta,

que me lança na dor e completa,
dentro da mesma névoa escura,
o local onde um dia já vi brancura.

Pintura de Tomasz Alen Kopera

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Consumpção




O que me move?
O que me impele?
Qual revolta rasga tua pele?

Qual lágrima foi responsável
pelas feridas na tua alma?
Ainda que eu disponha de calma
não há nada mais viável
do que a dor na mão que se espalma.

E a mão, agora inerte,
apodrece, em nada se converte...
A garra fúnebre da morte cresce,
me aperta, sufoca... meu eu fenece.

Arte de Sabatino Cersosimo

segunda-feira, 17 de abril de 2023

A grande obstinação


O medo do óbvio me consome,
convertendo em lágrimas frias
a verdade há tanto retraída...
Perdi o desejo, a sede, a fome...
Me deitei, adormeci nas agonias
deste padecer ainda sem nome.

A verdade que só a mim perturba
sempre esteve aqui me arranhando...
Pequenos rasgos, úlceras mortais
nasciam em mim como grande turba
de vermes putrefatos fervilhando
na mente que a si mesmo se conturba.

O inalcançável sempre foi premeditado
desde as primeiras linhas escritas.
O mesmo espetáculo, um novo ator,
se desenlaça com o enredo ensaiado.
Ainda que com possibilidades infinitas
persisto na dor e a mantenho ao meu lado.

Arte de Heitor Silva

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Uma ideia



As mesmas forças que ditam,
que mesclam nossos quereres,
são as mesmas que a mim gritam,
rosnam, me impedem e me limitam
diante do mais ínfimo dos prazeres.

Elas, há tempos, se fazem presentes.
Não importa onde qualquer um de nós vá,
voam silenciosas, surdas e inconscientes.
Letais como um câncer, corroendo mentes
que logo desistem de crer, de ser, de estar...

Nesta mortal mestiçagem eugênica
tentamos sobreviver a todo custo.
Alimentamos uma sanidade cênica,
um tipo de embriaguez esquizofrênica,
para estar, ser e crer num mundo justo.

Arte do meu querido Heitor Silva.

domingo, 22 de janeiro de 2023

Constante Inconstância


Me desconheço...
Acreditei em mim mesmo,
em um eu avesso
às ideias que me impus.
E continuei a esmo...
Num silencioso tropeço
enxerguei a luz:

Me vi tão frágil,
me afogando em emoções...
E sempre o presságio
da loucura, dor e medo
me engolia sem quaisquer razões.
Neste solitário naufrágio
compreendi o enredo:

Eu sou inconstante.
Acreditei no começo,
no alvo distante
que me molda gradualmente.
Assim eu subo e desço
como eterna variante
de um eu que apenas sente.


Pintura de Paul Arts
(Atualmente a obra compõe o acervo da galeria Emillions Art)

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